[Resenha] It – A Coisa | Stephen King
Durante as férias escolares de 1958, em Derry, pacata cidadezinha do Maine, Bill, Richie, Stan, Mike, Eddie, Ben e Beverly aprenderam o real sentido da amizade, do amor, da confiança e… do medo. O mais profundo e tenebroso medo. Naquele verão, eles enfrentaram pela primeira vez a Coisa, um ser sobrenatural e maligno que deixou terríveis marcas de sangue em Derry. Quase trinta anos depois, os amigos voltam a se encontrar. Uma nova onda de terror tomou a pequena cidade. Mike Hanlon, o único que permanece em Derry, dá o sinal. Precisam unir forças novamente. A Coisa volta a atacar e eles devem cumprir a promessa selada com sangue que fizeram quando crianças. Só eles têm a chave do enigma. Só eles sabem o que se esconde nas entranhas de Derry. O tempo é curto, mas somente eles podem vencer a Coisa. Em ‘It – A Coisa’, clássico de Stephen King em nova edição, os amigos irão até o fim, mesmo que isso signifique ultrapassar os próprios limites.
Autor: Stephen King
Editora: Suma de Letras
Ano da edição: 2014
Quantidade de páginas: 1103
Avaliação: 5 (0 a 5)
Onde comprar: Afiliados Amazon (e ajude o blog sem nenhum custo adicional)
Um dos (literalmente) maiores livros de Stephen King, It – A Coisa não é uma obra para esquecer tão fácil. São 1103 páginas de terror, nostalgia, emoção e até ficção científica (mas isso fica para a postagem sobre os melhores momentos do livro). Só ao fim desse calhamaço é que percebemos que a história é uma grande metáfora sobre a passagem da infância para a vida adulta. E que esse livro é sensacional.
Afinal, sobre o que é It – A Coisa?
O livro é dividido em duas partes que vão e voltam conforme a narrativa pede. A primeira parte da história se passa em 1958 (e não nos anos 80, como na nova adaptação) e mostra as vidas de seis crianças: Bill, Mike, Stan, Eddie, Richie, Ben e Beverly. Cada um sofrendo por motivos próprios, eles se tornam amigos, formando o “Clube dos Otários”. Só que o elo que fez com que todos se tornassem amigos é bem macabro.
A Coisa estava vindo, vindo de seu esconderijo imundo e de sua catacumba negra debaixo da terra, com os olhos brilhando em um tom verde-amarelado selvagem, vindo, vindo; a Coisa estava vindo.
Cada um deles viu algo pavoroso e escapou com vida. O mesmo não aconteceu com várias crianças da cidade, que foram assassinadas de forma violenta, incluindo Georgie, irmão caçula de Bill. Esse “algo” é um medo muito particular de cada um (uma múmia, um leproso, um pássaro etc), mas normalmente assume a forma do palhaço sinistro Pennywise.

A segunda parte (que é a que inicia o livro) já mostra os “Otários” adultos – que vivem suas vidas longe de Derry – recebendo uma ligação de Mike para que retornem à cidade porque A Coisa voltou a atacar. A partir daí, vemos que eles já enfrentaram o monstro uma vez e prometeram voltar para acabar com isso. O livro – com o passado e presente em paralelo – vai mostrar como tudo aconteceu para que as crianças enfrentassem o maior medo de suas vidas.
Derry é a Coisa. Vocês me entendem?… Pra qualquer lugar que a gente vá… quando a Coisa pegar a gente, as pessoas não vão ver, não vão ouvir, não vão saber. Vocês não entendem como é? A gente só pode tentar acabar o que a gente começou.
Minhas impressões (ou por que It – A Coisa é um livro tão impactante?)
Eu sempre achei que o motivo de It – A Coisa ser um sucesso tão estrondoso era devido ao terror. E não vou dizer que não amedronta. Algumas partes fazem você preferir ler à luz do dia (eu pensava “nossa, mas que besteira, nem dá tanto medo assim”, mas quando chegava a hora de dormir, meu coração acelerava quando eu achava que estava vendo coisas – com o perdão do trocadilho). A questão é que os livros de Stephen King (os mais famosos, pelo menos) não são apenas sobre terror, mas carregam uma metáfora muita forte sobre a vida.

E quando li esse livro, eu percebi. É sobre crescer, esquecer-se de quem já foi um dia e lutar para não se tornar refém dos medos (já evoluídos) que assolavam a sua infância. É impossível não se identificar em alguma coisa com os personagens principais. Stephen King tem um talento magistral de criar pessoas reais (ressalto, porém, que a especialidade dele é criar “homens” reais, já que as personagens femininas claramente não são o seu forte. Embora Beverly seja ótima, ela é quase a única mulher de destaque na história).

Então, a insegurança de Ben, os medos de Eddie, o preconceito sofrido por Mike, o sentimento de culpa de Bill, o senso de lógica de Stan, o humor sarcástico de Richie para esconder os medos e até a baixa autoestima de Beverly (que a leva sofrer uma vida de relacionamentos abusivos) toca no cerne das questões humanas, tornando as crianças – e os adultos – tão palpáveis quanto se respirassem para fora do papel.
Stephen King vai fundo não somente nos personagens principais, mas nos personagens periféricos também. É assim que é desenhada a história pregressa de Derry, as raízes de como o Mal surgiu na cidade, que coincidem com as raízes da própria maldade humana. A Coisa pode atacar principalmente as crianças, mas consegue agir através dos adultos, entrando em lacunas deixadas pelas falhas de caráter. Então, quando acontece um incêndio causado por motivos racistas, a Coisa está lá. Quando “cidadãos de bem” se reúnem para fazer uma assassinar pistoleiros, a Coisa está lá. Quando um pai começa a se tornar abusivo, a Coisa está lá também.
Ela enfim entendeu o que a Coisa colocou na cabeça dele… só que parte dela sabia que o pensamento devia estar lá o tempo todo; que a Coisa devia só ter usado as ferramentas que estavam lá esperando para serem aproveitadas.
É assim que a gente também vê o ponto de vista do marido abusivo de Beverly, do valentão Henry Bowers e do garoto psicopata Hofstetter. Esse mergulho em personalidades tão podres é mais horripilante do que as aparições de Pennywise. Porque não tem alegoria aqui, é realmente o ser humano na pior forma.
Em meio a tantas histórias – bonitas e horríveis – ao longo das páginas, It – A Coisa mostra um contraponto ao horror pelo poder da fé (não necessariamente religiosa), da amizade e do amor próprio. É lindo ver como cada criança enfrenta os medos da sua vida, é libertador para quem se identifica com alguns deles.
Talvez, pensou ele, não existam coisas como amigos bons ou ruins. Talvez existam só amigos, pessoas que ficam ao seu lado quando você se machuca e que ajudam você a não se sentir muito sozinho. Talvez valha a pena sentir medo por eles, sentir esperança por eles e viver por eles. Talvez valha a pena morrer por eles também, se chegar a isso. Não amigos bons. Não amigos ruins. Só pessoas com quem você quer e precisa estar; pessoas que constroem casas no seu coração.
It – A Coisa é um livro bom de ler?
Beleza, já falei que o livro tem mensagens poderosas e personagens inesquecíveis, mas muita gente se pergunta: um livro desse tamanho tem uma leitura fluida?
A estrutura de It – A Coisa é complicada de explicar. Começa no presente, passeia pelo passado, mostra pontos de vista de personagens periféricos do presente, depois viaja a um passado mais distante para mostrar como é a história de Derry… Em alguns momentos, isso funciona. Você consegue engrenar na leitura por páginas a fio. Em outros momentos, porém, o autor poderia ter enxugado a narrativa, até cortado capítulos de personagens que não agregam em nada (cof cof Hofstetter).

Então, para quem vai ler com as expectativas do filme de 2017, o terror é bem mais eficaz e as cenas das crianças são muito melhores, mas a estrutura é de vai e volta na narrativa mesmo, não é nada linear. Mas quando você está no ritmo da história, você simplesmente embarca nessa.
Para quem não é acostumado com as bizarrices do King, algumas passagens podem ser bem chocantes! Existem muito mais cenas gráficas de violência e demonstrações de ódio. Mas quando você já não aguenta mais, o autor contrapõe com alguma cena emocionante que instiga a continuar a leitura. Quem já leu alguns contos e outros livros do King sabe como é essa sensação.
Sobre o tão polêmico final (sem spoilers)
Uma das maiores controvérsias de It – A Coisa (que abordarei na postagem sobre as passagens mais marcantes do livro) é a cena do “pacto” entre os Otários após a batalha com a Coisa, ainda na infância. Não vou dar detalhes sobre isso agora, mas eu já comecei a leitura ciente dessa parte, portanto já me preparei antecipadamente. A cena em si é escrita de forma sensível, mas totalmente dispensável na narrativa e bem deslocada dos tempos atuais.

Outra questão é que antes dessa cena, a batalha final contra a Coisa é bem bizarra (quantas vezes eu já usei essa palavra nessa resenha, hein? Ficou essa sensação mesmo). É algo quase psicodélico, que necessita de uma abstração e um total abraço ao mundo da fantasia, onde tudo é possível (o que também pode servir – eu acho – para os livros da coleção A Torre Negra, que se conectam com esse final de forma distante).
Em contraponto a essa abstração, King preparou um final bem hollywoodiano e épico (que ironicamente não está no filme de 2019) para a cidade, o que foi bem bacana de acompanhar. No balanço de tudo, o gosto final da história é agridoce e poético.
E aí? Vale a pena ler esse calhamaço?
Sim, vale muito. Mesmo com as cenas polêmicas, mesmo com o volume de páginas sendo maior do que deveria e mesmo com as explicações (ou não-explicações) sobre algumas questões. Passadas muitas páginas, It – A Coisa é uma alegoria de terror para falar sobre crescer, sobre como a infância pode ser linda e complicada ao mesmo tempo e sobre como os nossos medos podem nos acompanhar a vida toda, pautando as nossas relações.
Antes eu tinha medo de ler esse livro, mas felizmente fui convencida por amigas a lê-lo e não me arrependi. Não é que eu deixei de ter medo de algumas passagens, mas os personagens se tornaram tão reais que eles me guiaram pelas páginas nos momentos mais aterrorizantes para que eu pudesse torcer por eles nos momentos mais emocionantes.
Ouça um pouco de rock-and-roll no rádio e vá em direção a toda vida que existe com toda a coragem que você consegue reunir e toda a crença que tem. Seja verdadeiro, seja corajoso, enfrente. Todo o resto é escuridão.
E aí? Já leu esse calhamaço? Conta como foi!
Obs: vai ter post falando do filme de 2019, sim!
– Trailer do filme de 2017
– Trailer do filme de 1990