Coisa Mais Linda: o clichê que estávamos precisando
Sabe aquela série que te pega de jeito e de repente você começa a maratoná-la? Melhor ainda quando é uma produção BRASILEIRA! Coisa Mais Linda reúne ingredientes feministas, mulheres incríveis, fotografia lindíssima e o clima romântico da bossa nova do Rio de Janeiro dos anos 50.
Não que eu não curta as produções nacionais, mas eu ansiava por uma obra que me despertasse nostalgia e apego aos personagens. Não é que Coisa Mais Linda seja leve (afinal, temos cenas de violência conjugal – inclusive com violência sexual), mas o clima que permeia a série é de esperança! Vamos conferir mais sobre ela?
Resuminho básico de Coisa Mais Linda
Maria Luíza (Maria Casadevall) é uma paulista rica que vai morar no Rio de Janeiro para abrir um restaurante com seu marido. Só que, chegando lá, ela descobre que ele fugiu com o seu dinheiro. Desolada, ela decide unir forças com Adélia (Pathy Dejesus), uma jovem empregada doméstica que luta para sustentar a filha, para abrir um clube de bossa nova. Thereza (Mel Lisboa), uma editora ousada e moderna, e a tradicional e romântica Lígia (Fernanda Vasconcellos), completam esse quarteto de amizade e apoio mútuo.

Cada uma tem os seus problemas pessoais e interesses amorosos. Maria Luiza – ou simplesmente Malu – fica interessada no cantor de bossa nova Chico (Leandro Lima), com cenas de arrancar suspiros; Adélia tem um relacionamento com o Capitão (Ícaro Silva), músico de bossa nova, mas esconde um segredo dele; Thereza mantém um casamento aberto e feliz com Nelson (Alexandre Cioletti), mas cada um também carrega segredos; Lígia vive um casamento abusivo com o político Roberto (Gustavo Vaz).
A amizade das mulheres como porto seguro
O ponto da forte da série é a amizade entre o quarteto principal. Apesar de as reviravoltas se assemelharem às novelas da Globo (que eu já assisti muito nessa vida), tudo converge para a relação daquelas mulheres. Seja em um bar brindando à vida ou em uma praia visualizando planos para o futuro, as amigas conseguem passar a mensagem de sororidade.

Isso compensa até mesmo a atuação fraca de Maria Casadevall (que se esforça para manter o papel, mas ainda não é forte o suficiente), já que a potência de Mel Lisboa e Fernanda Vasconcellos equilibram o jogo. Patty Dejesus às vezes parece teatral demais, mas o seu carisma e a força que impõe às cenas faz a diferença.
A vontade que dá em viver no Rio de Janeiro naquela época
Até você lembrar de como eram machistas! Mas a fotografia belíssima junto com a suavidade da bossa nova e a beleza do elenco criam um Rio de Janeiro nostálgico. Não é distante como a Paris de um filme Hollywoodiano, é próximo como a foto de uma mãe ou avó. É aquela sensação de que poderíamos ter estado ali.

O clichê a que me refiro no começo é justamente esse, de assistir uma obra que, mesmo que exiba todos os podres de uma sociedade como aquela, consegue transmitir o sentimento de uma época de forma romântica. Sim, porque, mesmo com todas as burradas dos homens, as soluções são simplistas e tem momentos que tudo parece se resolver em um piscar de olhos. Não é uma obra de profundo estudo sociológico, mas dá para embarcar na leveza da história sem esquecer do contexto em que ela acontecia.
A abordagem da desigualdade racial
Por ser aquela série “bonitinha”, achei que Coisa mais Linda ia ignorar o racismo (que existe até mesmo entre as feministas, inclusive) e fingir que todas as mulheres ali estavam em pé de igualdade. Mas a personagem da Adélia colocou o dedo na ferida. Acho até que esse foi o grande diferencial da série. Porque falar de feminismo é importante, mas muitas obras abordam essa temática de forma utópica, esquecendo que as mulheres negras sofrem muito mais com o machismo do que as brancas.

A cena em que Adélia mostra para a Malu o abismo de falta de oportunidades que as separam é uma das melhores da série! E mais: as próprias protagonistas ignoram Adélia no começo por acharem que ela é a empregada de Malu (e mesmo que fosse que não seria certo).
Ou seja, a figura do branco bonzinho que não carregada traços racistas é desmistificada mostrando que até mesmo personagens “do bem” pensam nessa lógica. Mais bacana ainda é mostrar a relação da moça com Capitão sem o estereótipo da “mulata fogosa” ou do “negro malandro” que as novelas tanto mostram. Tudo isso sem deixar de mostrar a favela carioca e a roda de samba no morro. Só acho que dá pra incluir mais personagens menos brancos na próxima temporada, hein!
Vale a pena dar um chance para Coisa Mais Linda?
Vale demais! A série é curtinha, envolvente e quando você vê, já terminou. Inclusive esse é um dos pontos fracos da obra: é como se a série tivesse sido idealizada para mais episódios e descobrisse no meio do caminho que só restava três capítulos para encerrar tudo. Então os episódios finais são corridos, repletos de soluções rápidas (bem deus ex-machina) e abordando assuntos importantes de forma superficial.

A trama de Lígia, por exemplo, foi desenvolvida com cuidado (mostrando o ciclo abusivo que ela passava com o marido, de violência para presentes e assim sucessivamente) para depois mergulhar numa espiral de velocidade em que outros temas eram introduzidos à vida dela sem tratá-los com muita atenção. A atuação incrível de Fernanda Vasconcellos segurou as pontas, mas Lígia foi muito subaproveitada. A personagem Helô (Thaila Ayala) também não teve o desenvolvimento esperado e nem a sua relação com Thereza.
O episódio final foi bem novelesco naquela pressa de amarrar todas as pontas, fazer as pazes e criar novas intrigas para a próxima temporada. Ainda assim, o conjunto da obra vale muito a pena e eu gostaria de saber o que acontecerá com esses personagens e viver mais um pouco desse clima de bossa nova tão nostálgico.
É clichê em muitos aspectos? É sim. Algumas situações são perfeitinhas demais e acabam bem demais independentemente da gravidade da situação? Com certeza. Existem obras que retratam melhor as complexidades do Brasil? Sem dúvida. Contudo, assim como existem produções norte-americanas que retratam a realidade de forma a embrulhar o estômago, lá também existem obras que conseguem passar uma mensagem importante em uma embalagem mais palatável. E isso não é fácil de encontrar nas obras brasileiras. Por isso, eu indico, sim, Coisa mais Linda.