4 lições que os livros ensinaram sobre governos ditatoriais
Eu nunca pensei que seria preciso argumentar que ditaduras são ruins. Nunca. Tudo o que estudei nos livros de História, seguidos de inúmeros depoimentos de vítimas do Regime Militar no Brasil e das obras produzidas, pareciam ser suficientes para que ninguém insistisse que o golpe de 1968 foi algo positivo.
De repente, nesse realismo fantástico que se tornou o Brasil, é preciso falar que governos ditatoriais NUNCA são boa coisa (tanto de direita quanto de esquerda, caso alguém venha falar). E não sou eu que estou dizendo isso, são os livros. Afinal, a ficção é a melhor forma de passar uma mensagem sobre a realidade. Vamos conferir?
1984 | George Orwell – A História é apagada para manipular os cidadãos
O clássico de Orwell se passa em um futuro distópico em que a sociedade é inteiramente dominada pelo Estado, representado pela figura do Grande Irmão. As pessoas são vigiadas pelas teletelas em tudo o que fazem, o tempo todo. Outro aspecto perturbador (e terrivelmente parecido com a realidade atual) é o duplipensar:
“Quem controla o passado controla o futuro; quem controla o presente controla o passado”, rezava o lema do Partido (…) indivíduo só precisava obter uma série interminável de vitórias sobre a própria memória. “Controle da realidade”, era a designação adotada. Em Novafala: “duplipensamento”.
Na prática, o passado era alterado o tempo todo. O protagonista, Winston, trabalha modificando notícias passadas sempre que os interesses do país mudam. Se estão em guerra com a Eurásia, todo o histórico de notícias vai ser alterado para dizer que sempre estiveram em guerra com a Eurásia. Quando a guerra é com a Lestásia, o mesmo acontece.
Duplipensamento significa a capacidade de abrigar simultaneamente na cabeça duas crenças contraditórias e acreditar em ambas. O intelectual do Partido sabe em que direção suas memórias precisam ser alteradas; em consequência, sabe que está manipulando a realidade; mas, graças ao exercício do duplipensamento, ele também se convence de que a realidade não está sendo violada.
Nós | Ievguêni Zamiátin – Pessoas iguais são mais fáceis de controlar
Obra que inspirou 1984, Nós retrata uma sociedade dominada pelo Estado Único. O “individual” não existe, apenas o coletivo, o “nós”. As pessoas usam o mesmo uniforme, seguem o mesmo tipo de vida, não há privacidade (somente na hora do sexo, que acontece com parceiros pré-selecionados em uma hora programada na semana) e a imaginação é abominada e vista como empecilho aos trabalhadores seguirem felizes e produtivos.
Negar as individualidades e pluralidades (estilos, orientações sexuais, crenças etc) de uma população (especialmente no auge da geração Millennial e no surgimento da Geração X, que prezam tanto por ter identidade própria) é um perigoso caminho para uma sociedade infeliz e fácil de ser manipulada.
“Nossa revolução foi a última e nunca poderá haver outra. Todos sabem disso.”
“Meu querido, você é um matemático. Me diga, qual é o último número?”
“Mas isso é absurdo. Números são infinitos. Não pode haver um último.”
“Então por que você fala em última revolução?”
Série Harry Potter | J.K. Rowling – O perigo de endossar discursos de ódio
Saindo dos clássicos cults e entrando na cultura pop, a série Harry Potter é uma grande metáfora de combate a governos tirânicos. Dentre inúmeros exemplos que posso citar (a complacência do Ministério da Magia perante diversos acontecimentos que antecederam a volta de Voldemort, só para não deixar de mencionar), um dos mais emblemáticos é o preconceito dos nascidos bruxos contra os bruxos que nasceram trouxas (filhos de humanos normais).
Famílias da casta nobre bruxa, como os Malfoy, chamam esses bruxos de “sangue-ruins”, o que é um xingamento gravíssimo na história. No passado, esse preconceito e a busca por bruxos de “sangue puro” fizeram essas famílias apoiarem a ascensão de Voldemort, causando inúmeras mortes e a destruição de tudo o que conheciam.
No mundo real, os discursos de ódio contra judeus endossaram a ascensão de Hitler. Em tempos atuais, discursos de ódio contra imigrantes, negros, homossexuais e diversos outros grupos vem sendo perigosamente endossados pelos governos dos EUA e Brasil. É importante todo mundo refletir sobre os próprios preconceitos, porque, como disse Sirius Black:
O mundo não é dividido entre pessoas boas e comensais da morte, todos nós temos luz e trevas em nossos corações. O importante é o lado o qual decidimos agir.
Jogos Vorazes | Suzanne Collins – As pessoas podem se acostumar a uma vida ruim
Ainda no campo da cultura pop, Jogos Vorazes mostrou uma distopia marcada pela política do pão e circo em meio à cultura do reality show. Em Panem, cada distrito é obrigado a sortear dois jovens para participarem dos Jogos Vorazes, onde todos precisarão lutar pela sobrevivência e só o único sobrevivente será o vencedor.
A premissa assusta pela violência à qual esses adolescentes são submetidos sem que ninguém faça nada (na verdade existiu uma revolta, mas isso é assunto para os dois últimos livros da trilogia). Mas, no geral, as pessoas se acostumaram com aquilo. Até mesmo Katniss, no começo do livro, é acostumada com o mundo ser daquele jeito.
Um dos maiores perigos dos governos ditatoriais é quando a população se acostuma com aquela vida. Quando passam a relatar aos netos que a vida era normal mesmo não sendo. Sem questionar o que é feito, assim como Katniss passou a fazer, nada poderia avançar.
Nunca ninguém ganha os jogos. Ponto final. Há sobreviventes. Não há vencedores.
No final das contas, os livros de História são uma grande chave para entendermos como proceder no futuro. E os livros são excelentes formas de visualizar como esse futuro pode ser (tanto o que queremos quanto o que não queremos).
E você? Qual lição sobre o autoritarismo os livros te ensinaram?